A hepatite autoimune (HAI) é uma doença hepática crônica e rara de etiologia desconhecida. As mulheres são afetadas três vezes mais do que os homens e pode ocorrer em crianças e em adultos de todas as idades. Pode estar associada a outras doenças autoimunes como tireoidites, artrite reumatóide, colite ulcerativa e doença celíaca.
O desenvolvimento da doença ainda não é totalmente conhecido, acredita-se que é causada por um gatilho ambiental em pacientes geneticamente predispostos. Esse gatilho ambiental pode ser uma infecção prévia, como vírus das hepatites A, B e C, Epstein Barr e herpes vírus.
Ocorre uma falência nos mecanismos de tolerância imunológica que resulta em um progressivo processo necroinflamatório e fibrótico do fígado, por isso a doença pode começar como uma hepatite aguda e progredir para uma doença hepática crônica e cirrose.
A HAI apresenta vários modos de apresentação e manifestações clínicas. A maioria dos casos é caracterizada por sintomas inespecíficos que variam de intensidade como letargia, cansaço, enjoo, perda de apetite, perda de peso, mudança do fluxo menstrual, dor abdominal, coceira e dor nas articulações. Eventualmente, pode se apresentar com complicações da hipertensão portal, como esplenomegalia ou sangramento gastrointestinal, em pacientes sem conhecimento prévio de doença hepática.
Os pacientes podem não apresentar sintomas em até 45% dos casos, nesses casos a doença é suspeitada por alterações nos exames de sangue e de imagem. As alterações laboratoriais encontradas são aumento das transaminases, gamaglobulinas e imunoglobulina G. Anticorpos dirigidos para antígenos nucleares, músculo liso ou LKM1 podem estar positivos, mas não são específicos da HAI. Os anticorpos antinucleares podem ser observados em pacientes com hepatite crônica B e C. Também podem ser detectados em pacientes com hepatite fármaco-induzida e outras desordens não hepáticas.
Alguns pacientes com todas as características de HAI podem não apresentar anticorpos típicos e serem erroneamente classificados como tendo hepatite crônica criptogênica, ou seja, de causa não definida. Teste para autoanticorpos não padronizados pode ser útil nesses casos. A presença de anti-SLA (antiantígeno hepático solúvel) e anti-LC1 (anticitosol hepático) pode auxiliar no diagnóstico. Outros pacientes continuarão sem marcadores sorológicos de autoimunidade, mas o diagnóstico será baseado em achados clínicos, laboratoriais e histológicos.
A biópsia hepática e estudo histológico são necessários para a confirmação do diagnóstico. HAI tem várias formas histológicas dependendo do curso da doença, da forma de sua apresentação inicial, de sua evolução e dos efeitos do tratamento. Hepatite de interface e infiltrado de células plasmocitárias são típicos. Porém, nenhum achado histológico é específico para HAI e a ausência de infiltrado de células plasmocitárias não exclui o diagnóstico. Eosinófilos, inflamação lobular, pontes de necrose e necrose acinar podem estar presentes. Granulomas raramente ocorrem. Em todas as formas, a fibrose está presente e na doença avançada, pontes de fibrose ou cirrose podem ser vistas.
O diagnostico é baseado em uma combinação de achados clínicos, bioquímicos, imunológicos e histológicos através de um escore criado pelo Internacional Autoimmune Hepatitis Group (IAIHG).
A decisão de tratar um paciente com hepatite autoimune deve ser individualizada e baseada na gravidade dos sintomas, no grau de elevação das transaminases e gamaglobulinas, achados histológicos e potencial efeitos colaterais das medicações usadas. Com o tratamento adequado, a taxa de sobrevida em 10 anos é de aproximadamente 90%.